Todos os Nomes - José Saramago

“Lá embaixo, a nenhum dos seus colegas de categoria, dos superiores nem vale a pena falar, passava pela cabeça a idéia de levantar os olhos para ver se o trabalho lhe estava a correr bem. Dar por entendido que sim era uma outra maneira de justificar a indiferença.”

“Mas é por demais sabido que o espírito humano, muitas vezes, toma decisões cujas causas mostra não conhecer, sendo de supor que o faz depois de ter percorrido os caminhos da mente com tal velocidade que depois não é capaz de os reconhecer e muito menos reencontrar.”

“Só deuses mortos são deuses sempre.”

“Depois, com um sentimento de confiança em si mesmo que nunca havia experimentado em toda a vida, passeou o foco da lanterna em redor, como se estivesse enfim a tomar posse de algo que sempre lhe havia pertencido, mas que só agora tinha podido reconhecer como seu.”

“Deve haver na minha cabeça, e seguramente na cabeça de toda a gente, um pensamento autônomo que pensa por sua própria conta, que decide sem a participação do outro pensamento, aquele que conhecemos desde que nos conhecemos e que tratamos por tu, aquele que se deixa guiar por nós para nos levar aonde cremos que conscientemente queremos ir, mas que, afinal de contas, poderá ser que esteja a ser conduzido por outro caminho, noutra direção, e não para a esquina mais próxima...”

“É preciso andar muito para alcançar o que está perto.”

“Há que se contar sempre com as puras casualidades, ajudam muito.”

“Para anunciar o começo de algo, fala-se sempre do dia primeiro, quando a primeira noite é que deveria contar, ela é que é a condição do dia.”

“O tempo, ainda que os relógios queiram convencer-nos do contrário, não é o mesmo para toda gente.”

“Mas insisto em que me explique porque demorou tanto a dar-me esta direção, A razão é muito simples, não tenho ninguém com quem falar. O Sr. José olhou a mulher, ela estava a olha-lo a ele, não vale a pena gastar palavras a explicar a expressão que tinham nos olhos um e outro, só importa o que ele foi capaz de dizer ao cabo de um silêncio, Eu também não.”

“O diálogo fora difícil, com alçapões e portas falsas surgindo a cada passo, o mais pequeno deslize poderia tê-lo arrastado a uma confissão completa se não fosse estar o seu espírito atento aos múltiplos sentidos das palavras que cautelosamente ia pronunciando, sobretudo, aquelas que parecem ter um sentido só, com elas que é preciso ter mais cuidado. Ao contrário do que em geral se crê, sentido e significado nunca foram a mesma coisa...”

“Estariam lá pessoas curiosas que lhe perguntariam se tinha perdido alguma coisa de valor no desastre, e ele responderia que sim, Uns papéis, e elas tornariam a perguntar, Ações, Obrigações, Títulos de crédito, é só no que pensa a gente comum e sem horizontes de espírito, os seus pensamentos vão todos para os interesses e ganhos materiais, e ele tornaria a dizer que sim, mas dando mentalmente significados diferentes àquelas palavras, seriam as ações que cometera, as obrigações que assumira e os títulos de crédito que ganhara.”

“...e aventurar-se sozinho no meio duma negra noite, por estas catacumbas da humanidade dentro, cercado de nomes, ouvindo o sussurrar dos papéis, ou um murmúrio de vozes, quem os poderá distinguir.”

“Homem, não tenhas medo, a escuridão em que estás metido aqui não é maior do que a que existe dentro do teu corpo, são duas escuridões separadas por uma pele, aposto que nunca tinhas pensado nisso, transporta todo o tempo de um lado para o outro uma escuridão, e isso não te assusta (...) meu caro, tens que aprender a viver com a escuridão de fora como aprendeste a viver com a escuridão de dentro...”

“As velhas fotografias enganam muito, dão-nos a ilusão de que estamos vivos nelas, e não é certo, a pessoa para quem estamos a olhar já não existe, e ela, se pudesse ver-nos, não se reconheceria em nós, Quem será este que está a olhar para mim com cara de pena, diria.”