Correspondências - Clarice Lispector

"Estou bastante acostumada a estar só, mesmo junto dos outros. Digo isso sem grande amargura."

"É engraçado que pensando bem não há um verdadeiro lugar para se viver. Tudo é terra dos outros, onde os outros estão contentes."

"Sonhei que estava num lugar de cores apagadas, tudo meio dormente, e que eu ia subir uma escadaria imensa, alta, alta. Eu me aproximava para subir e com horror via que a escadaria era apenas pintada - nem pintada, desenhada a lápis com perspectivas certas em claro e escuro, parece que em cima de papel móvel porque havia vento. Nem lhe posso descrever de como comecei a subir e que dificuldade sentia: era uma imagem de escada e eu pisava em degraus desenhados e sem profundidade. Peço-lhe que não faça psicanálises... Acho que a explicação é de que me falta 'realidade'."

"Não pense que a pessoa tem tanta força assim a ponto der viver qualquer espécie de vida e continuar a mesma. Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. (...) é somente até certo ponto que a gente pode desistir de si própria e se dar aos outros e às circunstâncias."

"Quase quatro anos me transformaram muito. Do momento em que me resignei, perdi toda a vivacidade e todo interesse pelas coisas. (...) para me adaptar ao que era inadaptável, para vencer minhas repulsas e meus sonhos."

"Respeite a você mais do que aos outros. Respeite suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você – respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você – não queira fazer de você uma pessoa perfeita – não copie uma pessoa ideal, copie você mesma – é esse o único meio de viver. (...) o que é verdadeiramente imoral é ter desistido de si mesma."

"Levo uma vida diária vazia e agitada. Passo o tempo todo pensando – não raciocinando, não meditando – mas pensando, pensando sem parar. E aprendendo, não sei o que, mas aprendendo. E com a alma mais sossegada (não estou totalmente certa). Sempre quis “jogar alto”, mas parece que estou aprendendo que o jogo alto está numa vida diária pequena, em que uma pessoa se arrisca muito mais profundamente, com ameaças maiores. Com tudo isso, parece que estou perdendo um sentimento de grandeza que não veio nunca de livros nem de influência de pessoas, uma coisa muito minha e que desde pequena deu a tudo, aos meus olhos, uma verdade que não vejo mais com tanta freqüência. Disso tudo, restam nervos muito sensíveis e uma predisposição a ficar calada. Mas aceito tanto agora. Nem sempre pacificamente, mas a atitude é de aceitar."

"Meu bem, só não escrevo mais porque sou uma chata, e não por falta de saudade ou por falta de vontade de conversar. Respeite os defeitos de sua amiga."

"Faça menos, e verá mesmo que às vezes a gente pensou que o mundo rodava porque estávamos rodando uma manivela. Como estou meio cansada de “fazer força” e de empurrar, entendo bem você. Felizmente as coisas não dependem assim de nós. Estou cansada de me preocupar... Também queria tirar férias de preocupações."

"Não dá preguiça de cortar a grama dos outros, só dá preguiça quando é a grama de nossa própria casa."

"Eu lhe desejo que você seja conhecida e admirada só por um grupo delicado embora grande de pessoas espalhadas pelo mundo. Desejo-lhe que nunca atinja a cruel popularidade porque esta é ruim e invade a intimidade sagrada do coração da gente."

"Não descuide da pontuação. Pontuação é a respiração da frase. Uma vírgula pode cortar o fôlego. É melhor não abusar de vírgulas. O ponto de interrogação e o de exclamação use-os quando precisar: são válidos. Cuidado com reticências: só as empregue em caso raro. Como depois de um suspiro. Quanto ao ponto e vírgula, ele é um osso atravessado na garganta da frase. Uma minha amiga, com quem falei a respeito da pontuação, acrescentou que ponto e vírgula é o soluço da frase. O travessão é muito bom pra gente se apoiar nele. Agora esqueça tudo o que eu disse."