Millôr Definitivo, A Bíblia do Caos - Millôr Fernandes

“O cérebro humano, porém, atingiu tal complexidade que começou a falhar e permitiu ao homem o conhecimento de duas ou três besteiras que não o ajudaram em nada. Nenhuma elaboração oriunda do cérebro serviu para tornar o ser humano mais feliz e o conhecimento de meia dúzia de premonições tolas – como a certeza do envelhecimento e da morte – o tornou o mais infeliz dos animais.”

“A monotonia me faz lamentar de novo o erro do Todo-Poderoso não ter inventado o corte. Os cineastas, brilhantemente, corrigiram isso. Mas a vida continua com cenas muito longas. Deveríamos poder cortar onde quiséssemos, passar pra cena seguinte, ou pro mês seguinte.”

“Uma crença não é mais verdadeira por ser unânime, nem menos verdadeira por ser solitária.”

“Minha maior decepção comigo mesmo foi no dia em que descobri que também estava sujeito à condição humana.”

“O homem é um animal que se justifica.”

“O macaco volta à cena / E pergunta pro homem / Acha que valeu a pena?”

“Todo o mundo é um palco. Mas não precisava tanto exibicionismo.”

“Com vinte milhões de anos de vida sobre a terra, o homem atingiu a civilização apenas nos últimos dez mil. Uma civilização, uma cultura, uma capacidade de domínio e apropriação das forças e mistérios da natureza de que nenhum animal jamais se aproximou. Com isso – vinte milhões de anos de vida, mas apenas dez mil de civilização – é o único animal que tornou possível uma coisa antes inacreditável – sua auto-destruição como espécie. Dando ainda, de lambuja, a destruição de todas as outras. Nada indica que o homem consiga escapar de sua própria fúria e estupidez nos próximos dez, cem ou, no máximo, mil anos.”

“Fé é o medo de ser descrente.”

“Com fé realmente profunda adquirimos o direito à irresponsabilidade.”

“Cada dia há mais gente assistindo à televisão como fuga da realidade. E como é que eu faço pra fugir da televisão?”

“Deus, como se sabe, pra fazer o mundo não usou régua e compasso, apenas o verbo. Daí a falta de perspectiva.”

“O ideal é ter, sem que o ter te tenha.”

“Quando você se sente um perfeito idiota, está começando a deixar de sê-lo.”

“O pouco que a gente sabe bota na vitrine. E o montão que ignora esconde no porão.”

“Ignorância é o que todo mundo tem na mesma proporção, só que em outra coisa.”

“Como são admiráveis as pessoas que não conhecemos muito bem!”

“Dizer que nos darão liberdade é besteira. Podem nô-la tirar. Mas não podem nô-la dar. Que língua, a nossa!”

“A liberdade é um produto da alucinação coletiva.”

“Estão usando a língua como sempre. Mas cada vez usam menos o idioma.”

“O que os olhos não vêem a língua inventa.”

“Todo mundo é maluco. Depende de onde você cutuca.”

“As pessoas que falam muito mentem sempre, porque acabam esgotando seu estoque de verdades.”

“As idiotices do dia-a-dia ganham extraordinário efeito filosófico ou poético quando pronunciadas no leito de morte.”

“Existe no mundo algo mais assustador do que pessoas assustadas?”

“Nossa pretensão ou humildade depende sempre do poder, importância ou tamanho do interlocutor.”

“A realidade brasileira está cada dia mais inacreditável.”

“Cada vez tenho mais dificuldade em aceitar o mundo como ele é. E tenho a vaga impressão de que a recíproca é verdadeira.”

“Em certo momento ficou evidente que o homem evoluiu do macaco. Como é evidente agora já estar voltando.”

“O possível está, semanticamente, contido no impossível.”

“Os olhos acreditam no que vêem. Os ouvidos acreditam no que as outras pessoas viram.”

“Televisão, a vida de segunda mão.”

“Quando você está fora de si, o pessoal vê melhor o que você tem dentro.”

“Pois vista todos têm. Visão é que são elas.”

“Introspecções – mergulho que o cavalheiro faz em si mesmo numa busca de verdades interiores, já que aqui fora estamos em falta.”