O Estrangeiro - Albert Camus

"Disse-me, antes de mais nada, que me pintavam como tendo um caráter taciturno e fechado e quis saber o que eu pensava a esse respeito.
– É que nunca tenho grande coisa a dizer. Então fico calado – respondi."

"Mas ele me interrompeu e exortou-me uma última vez, do alto de sua posição, perguntando-me se acreditava em Deus. Respondi que não. Sentou-se, indignado. Disse-me que era impossível, que todos os homens acreditavam em Deus, mesmo os que lhe viravam o rosto. Essa era a sua convicção, e se algum dia viesse a duvidar dela, a sua vida deixaria de ter sentido. 
– O senhor quer – exclamou – que a minha vida não tenha sentido?
Na minha opinião, eu não tinha nada com isso, e foi o que lhe disse."

"Nunca gostei de ser surpreendido. Quando me acontece alguma coisa, prefiro estar presente."

"A partir desse momento, a lembrança de Marie me passaria a ser indiferente. Morta, deixaria de me interessar. Achava isso normal, assim como compreendia muito bem que as pessoas me esquecessem depois da minha morte. Já não tinham nada a fazer comigo. Nem sequer podia dizer que me era penoso pensar nisso."

Últimos poemas (O mar e os sinos) - Pablo Neruda

"Hoje quantas horas vão caindo
no poço, na rede, no tempo,
são lentas mas não tiveram descanso,
seguem caindo, unindo-se
primeiro como peixes,
depois como pedradas ou garrafas.
Lá embaixo entendem-se
as horas com os dias,
com os meses,
com lembranças confusas,
noites desabitadas,
roupas, mulheres, trens e províncias,
o tempo se acumula
e cada hora
se dissolve em silêncio,
se esfarela e cai
ao ácido de todos os vestígios,
à água negra
do avesso da noite."

"Volta-se a mim como uma casa velha
com pregos e ranhuras, e assim
que alguém cansado de si mesmo,
como de um traje cheio de buracos,
tenta andar despido porque chove,
quer o homem molhar-se na água pura,
no vento elementar, e não consegue
senão voltar ao poço de si mesmo,
À minúscula preocupação de se existiu,
de se soube expressar-se
ou pagar ou dever ou descobrir,
como se fosse tão importante
que a terra com seu nome vegetal
tenha que aceitar-me ou não aceitar-me
no seu teatro de paredes negras."

"Se cada dia cai
dentro de cada noite,
há um poço
onde a claridade está presa.

Há que sentar-se na beira
do poço da sombra
e pescar a luz caída
com paciência."

"Perdão se pelos meus olhos não chegou
mais claridade que a espuma marinha,
perdão porque meu espaço
se estende sem amparo
e não termina:
monótono é meu canto,
minha palavra é um pássaro sombrio,
fauna de pedra e mar, o desconsolo
de um planeta invernal, incorruptível.
Perdão por esta sucessão de água,
da rocha, da espuma, o delírio da maré
assim é minha solidão
saltos bruscos de sal contra os muros
de meu ser secreto, de tal maneira
que eu sou uma parte do inverno,
da mesma extensão que se repete
de sino em sino em tantas ondas
e de um silêncio como cabeleira,
silêncio de alga, canto submergido."

"Foi sangrenta toda a terra do homem.
Tempo, edificações, rotas, chuva,
apagam as constelações do crime,
o certo é que um planeta tão pequeno
foi mil vezes coberto pelo sangue,
guerra ou vingança, armadilha ou batalha,
caíram homens, foram devorados,
depois o esquecimento foi limpando
cada metro quadrado: alguma vez
um vago monumento mentiroso,
às vezes uma cláusula de bronze,
depois conversações, nascimentos,
municipalidades, e o esquecimento.
Que artes temos para o extermínio
e que ciência para extirpar lembranças!
Está florido o que foi sangrento.
Preparar-se, rapazes,
para outra vez matar, morrer de novo,
e cobrir com flores o sangue."

Fragmento trazido pelo vento

“Dizem que o que todos procuramos é um sentido para a vida. Não penso eu seja assim. Penso que o que estamos procurando é uma experiência de estar vivos, de modo que nossas experiências de vida, no plano puramente físico, tenham ressonância no interior do nosso ser e da nossa realidade mais íntimos, de modo que realmente sintamos o enlevo de estar vivos.” (O Poder do Mito - Joseph Campbell)