Claraboia - José Saramago

"Ouvia lá dentro um ruído de vozes: a mãe e a tia falavam. Muito falavam aquelas mulheres. Que tinham elas a dizer todo santo dia, que já não estivesse já dito mil vezes?"

"A paisagem era sempre igual, mas só a achava monótona no dias de verão teimosamente azuis e luminosos em que tudo é evidente e definitivo. Uma manhã de nevoeiro como esta, de nevoeiro delgado que não impedia de todo a visão, cobria a cidade de imprecisões e de sonho."

"– Não pode ser. O mal e o bem, o bom e o mau, andam sempre misturados. Nunca se é completamente bom ou completamente mau. Acho eu – acrescentou, timidamente.
Amélia virou-se para a irmã, empunhando a colher com que provava a sopa:
– Essa não está má. nesse caso, não tens a certeza de que é bom aquilo de que gostas?
– Não, não tenho.
– Então, por que gostas?
– Gosto porque acho que é bom, mas não sei se é bom."

“– Diz-me lá, se sabes, o que é o bem e o mal. Onde acaba um e começa o outro?
– Isso não sei, nem é pergunta que se faça. O que sei é reconhecer o mal e o bem onde quer que estejam...
– De acordo com o que pensas a respeito deles...
– Nem podia ser de outra maneira. Não é com as ideias dos outros que eu ajuízo!
– Pois é aí que está o ponto difícil. Esqueces que os outros também têm as suas ideias acerca do bem e do mal. E que podem ser mais justas que as tuas...
– Se toda a gente pensasse como tu, ninguém se entendia. É preciso regras, é preciso leis!
– E quem as fez? E quando? E com que fim?
Calou-se durante um breve segundo, e perguntou com um sorriso de malícia inocente:
– E, afinal, pensas com as tuas ideias ou com as regras e as leis que não fizeste?”

"A preocupação era demasiada para ceder ao jogo dos músculos que comandam o sorriso."

"Vivia dentro de si mesma, como se estivesse sonhando um sonho sem princípio nem fim, um sonho sem assunto de que não queria acordar, um sonho todo feito de nuvens que passavam silenciosas encobrindo um céu de que já se esquecera."

“Quando fores crescido, hás de querer ser feliz. Por enquanto não pensas nisso e é por isso mesmo que o és. Quando pensares, quando quiseres ser feliz, deixarás de sê-lo. (...) A felicidade não é coisa que se conquiste. Hão de dizer-te que sim. Não acredites. A felicidade é ou não é.”

“Mas a compreensão é uma palavra. Ninguém pode compreender outrem, se não for esse outrem. E ninguém pode ser, ao mesmo tempo, outrem de si mesmo.”

“A experiência, não sendo aplicada, é como o outro imobilizado: não produz, não rende, é inútil. E de nada vale a um homem acumular experiência como se colecionasse selos.”

“Quem tiver sede de humanidade não a irá matar nos versos de Fernando Pessoa: será como se bebesse água salgada.”

“A verdade, às vezes, parece indecência. Tudo está bem enquanto não se começam a dizer indecências, enquanto não se começam a dizer verdades!”

“A sua única compensação estava no amor, não no amor obrigatório do parentesco, tantas vezes um fardo imposto pelas convenções, mas o amor espontâneo que de si mesmo se alimenta."