Contato - Carl Sagan

“Durante toda a existência da humanidade na Terra, o céu estrelado havia sido uma companhia e uma inspiração. As estrelas eram reconfortantes. Pareciam demonstrar que o firmamento fora criado para a alegria e a instrução dos seres humanos. Essa patética presunção tornou-se a sabedoria convencional em todo o planeta. Nenhuma cultura estava livre dela. Algumas pessoas encontravam no céu uma saída para a sensibilidade religiosa. Muitas se sentiam esmagadas e apequenadas pela glória e pela escala do universo. Outras eram estimuladas aos mais absurdos desvarios da imaginação.”

“Ellie nunca havia lido a Bíblia a sério antes e se inclinara a aceitar a opinião do pai, talvez carregada de certa implicância, de que se tratava de histórias bárbaras misturadas com contos de fadas.”

"Por que não havíamos recebido sinal algum? Seria possível que Dave tivesse razão? Não existiam civilizações extraterrestres em parte alguma? Todos aqueles bilhões de mundos seriam ermos, estéreis? Só existiriam seres inteligentes neste canto obscuro de um universo incompreensivelmente imenso? Por mais que tentasse, Ellie não conseguiu levar a sério essa possibilidade. Ela coincidia à perfeição com os medos e pretensões humanos, com doutrinas não comprovadas sobre a vida além-túmulo, com pseudociências como a astrologia. Era a encarnação moderna do solipcismo geocêntrico, a presunção que dominara nossos antepassados, a ideia de que éramos nós o centro do universo."

"Ellie tinha de lutar contra a tendência a formar uma personalidade demasiado agressiva ou tornar-se uma completa misantropa. Em dado momento, percebeu a situação estranha. Misantropo é a pessoa que detesta todas as demais, e não apenas os homens. E decerto havia uma palavra para designar uma pessoa que não gosta de mulheres: misógino. No entanto, os lexicógrafos, todos homens, haviam deixado de criar uma palavra que designasse a aversão aos homens. Quase todos eles eram homens, pensou ela, e tinham sido incapazes de imaginar que houvesse necessidade dessa palavra."

“A Mensagem, acreditava Ellie, era uma espécie de espelho, e nela cada pessoa via suas crenças serem refutadas ou confirmadas. Era considerada uma confirmação geral de doutrinas apocalípticas e escatológicas mutuamente excludentes.”

“Grupos diversos tinham a mensagem na conta de comprovação da existência de muitos deuses, de um único deus ou de nenhum.”

“Fanatismo, medo, esperança, debates passionais, preces serenas, nervosa reavaliação, desinteresse exemplar, estreita hipocrisia e ânsia por ideias novas e sensacionais haviam se tornado epidemias, varrendo febrilmente a superfície do minúsculo planeta Terra. Dessa intensa fermentação, Ellie julgava ver surgir, vagarosamente, a idéia de que o mundo não passava de um fio num vasto tapete cósmico.”

"No entanto, não conseguia penetrar-lhes a mente; não tinha meios de imaginar como seria o pensamento de uma criatura muito mais inteligente do que um ser humano. Claro. Não havia motivo para surpresa. Que ela esperava? Era como tentar visualizar uma nova cor primária ou um mundo onde se pudessem identificar várias centenas de conhecidos só pelo cheiro... Podia-se falar sobre isso, mas não vivenciar a situação. Por definição, só pode ser extremamente difícil compreender o comportamento de um ser muito mais inteligente."

“Ellie olhou. Reprimindo um certo estremecimento de repugnância, tentou ver a lagarta através dos olhos de Der Heer. ‘Veja o que ela faz’, continuou ele. ‘Se fosse grande como você ou eu, mataria todo mundo de medo. Seria um monstro de verdade, certo? Mas ela é pequena. Come folhas, trata da sua vida e acrescenta um pouco de beleza ao mundo.”

"Os teólogos parecem ter reconhecido um aspecto especial, não racional... eu não diria irracional... da sensação do sagrado ou do santo. Chamam isso de 'numinoso'. O termo foi usado pela primeira vez... vamos ver... uma pessoa chamada Rudolf Otto, num livro publicado em 1923, A ideia do sagrado. Ele acreditava que os seres humanos estavam predispostos a detectar e venerar o numinoso. Chamou isso de misterium tremendum. Até o meu latim é suficiente para entender isso. Na presença do misterium tremendum, as pessoas se sentem absolutamente insignificantes, mas, se entendi bem, não alienadas pessoalmente. Rudolf Otto considerava o numinoso como uma coisa de 'completa alteridade' e a reação humana a ele como sendo de 'absoluto pasmo'. Se é a isso que as pessoas religiosas se referem quando usam palavras como sagrado ou santo, estou com elas. Já senti alguma coisa parecida só ao operar o radiotelescópio, à espera de um sinal, quanto mais ao recebê-lo de verdade. Acho que tudo na ciência provoca essa sensação de pasmo."  

“’Sempre entendi que um agnóstico é um ateu sem a coragem de expressar suas convicções’
‘Da mesma forma o senhor poderia dizer que um agnóstico é uma pessoa profundamente religiosa que possui um conhecimento ao menos rudimentar da falibilidade humana. Quando digo que sou agnóstica, quero apenas dizer que não disponho de provas. Não existem provas contundentes da existência de Deus... pelo menos da sua espécie de deus... como também não existem provas convincentes de sua inexistência. Como mais da metade da população da Terra não é formada de judeus, cristãos ou mulçumanos, eu diria que não há argumentos conclusivos para a existência do deus em que o senhor acredita. Se não fosse assim, todos os habitantes da Terra teriam sido convertidos.’”

“'Michael’, disse Ellie, ‘o mundo é, ao mesmo tempo, melhor e pior do que você imagina.’
‘É provável que você conheça melhor do que eu o melhor’, respondeu ele, ‘mas não pode querer me ensinar o pior.’”

“Entenda, as pessoas religiosas... a maioria delas... pensam realmente esse planeta seja uma experiência. É a isso que se resumem suas crenças. Sempre há um ou outro deus se metendo nas coisas, andando com mulheres de mercadores, dando tábuas em montanhas, ordenando aos pais que mutilem seus filhos, ensinando às pessoas as palavras que podem dizer e as que não podem, fazendo as pessoas se sentirem culpadas por gozarem a vida, e assim por diante.”

"Crescia a sensação de humanidade, bilhões de pequenos seres espalhados pelo mundo, aos quais se apresentava, coletivamente, uma oportunidade sem precedentes ou mesmo um grave perigo em comum. A muitos parecia absurdo que nações litigantes continuassem suas rixas mortíferas quando confrontadas com uma civilização não humana de capacidade imensamente superior. Havia uma aragem de esperança no ar."

"'Essa é uma visão nobre e altruísta do mundo, com certeza, e eu seria a última pessoa a negar que existe bondade no coração humano. Mas quanta crueldade não foi cometida quando não existia o amor de Deus?
'E quanta crueldade cometida quando esse amor existia? Savonarola e Torquemada amavam a Deus, ou pelo menos era o que diziam. A sua religião parte do princípio de que as pessoas são crianças e precisam de um bicho-papão para se comportarem bem. O senhor quer que as pessoas acreditem em Deus para obedecerem à lei. Esse é o único meio que lhe ocorre: uma rígida força policial secular e a ameaça de um castigo por um Deus onividente, que puna tudo quanto a polícia não viu.'"

"'Somos todos humanos'. Essa era uma frase que se ouvia com frequência naqueles dias. Era extraordinária a raridade com que, em décadas anteriores, se expressavam sentimentos dessa natureza, sobretudo nos meios de comunicação. Compartilhamos o mesmo pequeno planeta, dizia-se, e – quase – a mesma civilização global. Era difícil imaginar os extraterrestres levando a sério um pedido de favorecimento por parte de representantes de uma ou outra facção ideológica. A existência da Mensagem – mesmo deixando de lado sua enigmática função – estava unindo o mundo."

“‘Perguntei a ele se, já que pode comunicar-se com uma pedra, é capaz de se comunicar com os mortos’, disse Xi.
‘E o que ele respondeu?’ 
‘Que com os mortos é fácil. Sua dificuldade é com os vivos.’”

"A Terra é uma aula prática para os deuses aprendizes. 'Se vocês errarem muito, fazem uma coisa como a Terra', dizem a eles. Mas, evidentemente, seria um desperdício destruir um mundo perfeitamente íntegro. Por isso eles nos dão uma olhadinha de vez em quando, só por segurança. É possível que de cada vez tragam os deuses que cometeram bobagens. Da última vez que olharam, estávamos brincando nas savanas, tentando correr mais do que os antílopes. 'Muito bem, está tudo certo', disseram. 'Esses sujeitos aí não vão nos dar nenhum problema. Daqui a 10 milhões de anos, a gente olha outra vez. Mas, por segurança, vamos acompanhá-los com radiofrequências.' Então, um belo dia, soa um alarme. Uma mensagem da Terra. 'O quê? Eles já tem televisão? Vamos ver o que estão fazendo.' Estádio olímpico. Bandeiras nacionais. Ave de rapina. Adolf Hitler. Milhares de pessoas aplaudindo. 'Chi!', dizem. Conhecem os sinais de perigo."

“A fronde de palmeira atendia a outra finalidade, compreendeu. Ela precisava de alguma coisa que lhe lembrasse a Terra. Tinha medo de ser tentada a não voltar.”

“'Quero saber o que pensa de nós’, disse ela lacônica. ‘O que realmente pensa.’
Ele não teve um instante de hesitação. ‘Muito bem. Acho que é extraordinário que tenham se saído tão bem. Praticamente não dispõem de uma teoria de organização social, possuem sistemas econômicos incrivelmente atrasados, não têm nenhuma idéia do mecanismo de previsão histórica e possuem pouquíssimo conhecimento de si próprios. Considerando a rapidez com que o mundo de vocês está mudando, é assombroso que ainda não tenham voado pelos ares. É por isso que não queremos abandoná-los. Vocês, humanos, têm certo talento para adaptabilidade... pelo menos a curto prazo.’
‘É esse o problema, não é?’
‘Um dos problemas.'"